sexta-feira, 1 de abril de 2011

O encontro ideal

Via Igor Scaglietti do blog Assindético: http://assindetico.wordpress.com.


Saímos quase por acaso. Ela com seu casaco de couro, jogado por cima dos ombros caídos e desinteressados. Sapatilhas sem salto para nos assemelhar na estatura e não me constranger no meu mundo de chauvinismo feminista. Eu com meu ter... bom, não importa, se no teatro da memória é a plateia quem manda, ninguém se lembrará da minha roupa cinza e cotidiana, sou um mero coadjuvante, senão o pano do cenário.
Reparo no seu andar tímido e ao mesmo tempo poderoso.  Ela é hora menina, hora modelo. Acho que ela não queria estar ali. Tudo bem, já é meu troféu. Talvez ela preferisse uma outra situação, com amigas, solteira. Devo ser a única saída. Me pergunto do que ela foge.
- Identidades.
- Cara, deixei no carro, tem problema?
- Tá, tudo bem. E a moça?
- Você acha que com esse tamanho todo é menor de idade?
Numa quinta-feira de garoa em Curitiba, um bar com jazz não pode estar muito cheio. O ambiente é perfeito, um porão aconchegante, música que soa como música. Uma raridade.
Ela quase não fala. Curioso, me pergunto até que ponto esse ar blasé é fabricado. Parece ser autêntico. Só pode ser. Lembro das tantas que reclamei por falarem demasiada e desnecessariamente, e me repreendo por não perceber antes o imenso valor do silêncio entre aqueles que anseiam por se conhecer. Obrigado Tarantino. Uncomfortable silence.
Estamos sentados em bancos altos no balcão do bar. Duas cervejas, por favor. Ombro com ombro, cabeça com cabeça. É tudo tão despretensioso e agradável. Em meio a algumas amenidades e melodias, um sorriso nostálgico. Talvez o primeiro sincero da noite. Ela fala da infância e do início da juventude em sua cidade natal. Das amigas e bandas preferidas. Nesse momento só desejo que todos os dias com ela sejam de descobertas assim.
Aproveito e conto suas pintas. São nove só no rosto. Preciso ter certeza de que estão todas lá. É desnecessário dizer quão bela ela é aos meus olhos. É claro, leitor, que este escritor, tão poeta quanto medíocre, não conseguiria traduzir em palavras o que os olhos viam e o corpo sentia. Mas é necessário que você entenda que minha mente se extasiava com algo a mais. Não consigo explicar, mas sua beleza vai além do ululante, ela simplesmente transcende a razão, o visível. Qualquer piscada mais lenta ou esboço de sorriso é arte bruta.
Seus beijos são retráteis. Seus lábios parecem não querer perder a bela companhia do batom rosa. Penso que me beija desinteressada, como se não houvesse sexo em ninguém do meu gênero. Me sinto um número. Ah, se ao menos fosse primo. Fito seus olhos esverdeados, que à meia-luz parecem negros, e eles a desmentem. Transformo minha intuição em paranóia e a dissipo em meio a outros pensamentos. Lembro do nosso primeiro beijo, arisco como o de dois adolescentes na frente do colégio. Não consigo entendê-la, talvez por isto o fascínio.
Ela não faz sentido. Apesar de tentar encaixar sua personalidade em algum lugar, em algum arquétipo, talvez ela seja só vazio e meus esforços nulos. O fato é que não havia ninguém a ser conquistada ali, e por bem eu não tentei. Só queria aquilo, um encontro perfeito.
Quanto mais o tempo passa, mais medíocre quero ser agora. Quantos mais desses terei? Onde não há nada a ser dito, ninguém a representar, ninguém a conquistar. Fui anônimo no encontro que sempre desejei. As melhores horas daquele ano, sem terceiras intenções, jazz, você.


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