sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Nirvana - The man who sold the world

mais um drummond

O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher de pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles...e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo está gasto, renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.

Passagem do Ano, em A rosa do povo.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Grandes momentos do cinema!

Eu não sei se falo da música do Bob Dylan, do filme do Joel Cohen, do Jeff Bridges ou do Steve Buscemi... mas eu sei que a abertura do filme é sensacional! The Big Lebowski, uma filosofia de vida. Japa, essa vai pra você!


"The Man In Me" - Bob Dylan

The man in me will do nearly any task
As for compensation, there's a little he will ask
Take a woman like you
To get through to the man in me.

Storm clouds are raging all around my door
I think to myself I might not take it anymore
Take a woman like your kind
To find the man in me.

But, oh what a wonderful feeling
Just to know that you are near
It sets my heart a-reeling
From my toes up to my ears.

The man in me will hide sometimes to keep from being seen
But that's just because he doesn't want to turn into some machine
Take a woman like you
To get through to the man in me.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

o ano passado


O ano passado não passou,
continua incessantecemente.
Em vão marco novos encontros.
Todos são encontros passados.

As ruas, sempre do ano passado,
e as pessoas, também as mesmas,
com iguais gestos e falas.

(...)

Embora sepultos, os mortos do ano passado
sepultam-se todos os dias.
Escuto os medos, conto as libélulas,
mastigo o pão do ano passado.

E será sempre assim daqui por diante.
Não consigo evacuar
o ano passado.

Drummond, em Corpo.
Para evacuar o passado nesta última terça-feira do ano.

(A foto é a da capa do livro Receita de Ano Novo, do Drummond. Ilustração de Mariana Massarani)

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Static in Cyberspace

The Internet has demonstrated its effectiveness as a weapon against government censorship and as a means of communication untrammeled by corporate control. It makes available immense information resources on an unprecedented scale. It makes instantaneous communication easy, which could strengthen democracy.

Ainda no milênio passado, em 1994, o professor de história na University of California, Jon Wiener, escreveu um artigo fenomenal, pra não dizer visionário, para o The Nation (o artigo pode ser encontrado aqui) relatando o "surgimento" da internet e suas primeiras experiências online. Àquela época, a internet ainda era um grande conjunto de pequenas redes interligadas, porém as expectativas já eram grandes. As pessoas já diziam que a internet era um lugar de livre circulação de informações e publicação de opiniões, longe da censura dos governos pois [era/é/esperamos que continue sendo] anárquica, e iria revolucionar o mundo. Já dizia Jon que a internet é livre porque não possui um dono, ninguém a controla e ninguém é excluído por etnia, credo ou gênero. Enfim, a internet era a terra prometida da Era da Informação.

Jon se encantou com a Usenet, que à época era o grande "forum" da internet, com mais de 5 mil tópicos de discussão sobre os mais diversos assuntos possíveis. É preciso lembrar que em 1994 os sites de busca e indexação ainda engatinhavam. Não existia Google, Yahoo, Cadê?, Altavista. Redes sociais, sites de compartilhamento e outras inovações como Youtube, Blogs, Facebook, Twitter, Wikileaks, Torrents, P2P, .mp3, banda larga, celulares com internet, ainda não eram nem embriões. A Usenet foi a primeira comunidade virtual, a primeira "rede social". É claro que muito diferente do que são hoje em dia o Facebook,  Twitter, Orkut e afins. 

Fazendo um à parte: no artigo, o professor Wiener aborda questões como comércio online, privacidade, spam (sem usar o termo), censura e difamação para fazer uma comparação entre a liberdade online e na vida real. À época, os temas eram pouquíssimo importantes. Hoje, em torno destes temas gira o futuro da humanidade. Por exemplo, para falar de censura governamental, o professor cita um caso em que o governo canadense proibiu de ser publicado na mídia convencional detalhes sobre o julgamento de um crime envolvendo sexo, tortura e assassinato. A mídia aceitou a proibição, porém ativistas virtuais (para não usarmos o termo hacktivista) publicavam informações diariamente num grupo da Usenet. Talvez este tenha sido um dos primeiros casos de "Wikileaks" da história, senão o primeiro.


É impressionante perceber como a promessa do que seria o futuro da internet se cumpriu muito além da expectativa. Usar do anonimato da internet para contornar restrições governamentais só cresceu desde então.  Em apenas 15 anos saímos de um caso de relevância secundária como o deste crime no Canadá para a primeira "guerra digital", que está pondo em cheque o poder das maiores potências mundiais. Passando por casos como o da blogueira cubana Yoani Sanchez, do Generation Y e da luta contra as FARCs organizada no Facebook.


E esta é só uma face da revolução da internet. Por estarmos vivendo o processo, acho que muitas vezes não nos damos conta da velocidade da mudança. Vivemos algum tipo de processo de singularidade na área da Informação e não estamos nos dando conta. Economistas não conseguem precificar quanto vale uma empresa de tecnologia como o Google e o Facebook, imagine analisar qual o impacto da revolução tecnológica que vivemos com a internet em todas as cadeias produtivas. (Como tudo na internet, esta discussão também já é "velha", mas ainda nem perto de solucionada.)


Mas sem desvirtuar muito, o que achei realmente interessante de se perceber no artigo é que a vontade humana de se comunicar, compartilhar, encontrar e se encontrar, já dava as caras na internet há 15 anos atrás (e com certeza antes disso). Não havia sido potencializada pela (r)evolução que vem acontecendo desde então, mas o core já estava lá, ainda que inexplorado pela criatividade humana.


São tantos fenômenos interessantes que eu gostaria de abordar que mal consigo categorizá-los. Gostaria de falar mais sobre memes, the anonymous, metaverso, singularidade, 4chan, facebook, economias virtuais...


Por exemplo, assunto em voga: o grande asset do buscador da Google é a capacidade de rankear as páginas pesquisadas, para que o usuário possa achar primeiro aquilo que mais o interessa. Ou seja, é a capacidade de facilitar o acesso à informação de qualidade. O que é mais importante para o usuário: um link achado no Google ou um link publicado pelo seu melhor amigo no Facebook? O que aconteceria se a Google incorporasse ao seu pagerank links do Facebook? E se a Microsoft fizesse isso no Bing? Ops...!


Eu acho que as novidades da próxima década virão em grande parte com mais revoluções na nossa primitiva capacidade de nos socializar. E tenho certeza que ninguém faz ideia de como será. Nem William Gibson (que  criou o cyberspace) nem Neal Stephenson (que "acertou" o Google Earth, o Wikileaks e o Second Life).

você não sabe

E ontem, curtindo um dia de cama, doente, fiquei sabendo que a Hebe estaria no Faustão. Fato histórico da televisão brasileira. Sou fã dela - de carteirinha mesmo e assumida. É uma mulher incrível, com uma história linda!

Lembrei de uma das músicas que mais me emocionou no Elas Cantam Roberto - especial de fim de ano da Globo. Você não Sabe, do Rei com Erasmo, interpretada pela Hebe, foi coisa mais linda, de chorar Cataratas do Iguaçu (essa expressão, que incluí de imediato no meu vocabulário, veio lá de
Ubêrlândia).



Eu chegaria
Onde só chegam os pensamentos
Encontraria uma palavra que não existe
Pra te dizer nesse meu verso quase triste
Como é grande o meu amor




Pega eu, colocando pro mundo minha pieguice, jutando Hebe, Faustão e Roberto Carlos em um só post!
Pra eternidade!

ps. A Marília Gabriela entrevistou a Hebe mais de uma vez enquanto estava no GNT. A última foi para o programa do dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher (aniversário da Hebe - e meu, gente, que glamour!). Vale a pena procurar no youtube!

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

"De costas para o futuro"

Achei este artigo no Blog do Senador Cristovam Buarque, ele foi escrito pelo economista pernanbucano Sergio C. Buarque. O artigo desmascara a lógica nefasta das políticas públicas no país! Vale muito a pena ler!

"O Brasil é um país voltado para o passado, vive o presente, mas olhando para (e penando com) as dívidas acumuladas no passado. O “país do futuro” parece se recusar a virar a cabeça para as próximas décadas e as novas gerações. As maiores energias despendidas pela sociedade e pelo Estado são para saldar nossas várias dívidas – financeiras, sociais e até políticas – acumuladas ao longo de décadas de descontrole econômico e descaso social, ampliadas pelo excesso de generosidade dos nossos legisladores."

Quem se interessar pela versão completa: http://buarque.org.br/?p=8823

Racionais MC´s

Eu não sou um grande fã de RAP, mas consigo dois bons motivos para não passar incólume por este movimento musical:
O primeiro e o grande motivo é o Mano Brown, não é exagero chamar ele de gênio! Os versos que este cara compõe são dignos de um Castro Alves contemporâneo!
O segundo motivo é porque, apesar de ser um ritmo surgido nos EUA, o RAP brasileiro é infinitamente melhor que o americano! Enquanto os vislumbrados rappers americanos se perderam em meio às jóias reluzentes, carros, mulheres, drogas e o glamour do showbuss, os Rappers brasileiros se organizaram e realizam verdadeiros movimentos sociais, com propósitos e projetos interessantes! Eles não saíram da favela e foram morar em Bel Air, suas letras raramente falam de coisas fúteis e dificilmente se vendem para o mainstream!
No mais é ignorar a melodia pobre e focar nas letras intensas!

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Discurso de Mario Vargas Llosa para o Prêmio Nobel



Aprendi a ler aos cinco anos, na classe do irmão Justiniano, no Colégio de la Salle, em Cochabamba, na Bolívia. Foi a coisa mais importante da minha vida. Quase 70 anos depois, lembro-me com nitidez como essa magia - transformar as palavras dos livros em imagens - enriqueceu a minha vida, quebrando as barreiras do tempo e do espaço e permitindo-me viajar com o capitão Nemo 20 mil léguas abaixo do nível do mar, lutar junto com d'Artagnan, Athos, Portos e Aramís contra as intrigas que ameaçavam a rainha nos tempos do sinuoso Richelieu, ou arrastar-me pelas entranhas de Paris com o corpo inerte de Marius às costas.



A leitura convertia o sonho em vida e a vida em sonho e punha ao alcance do pedacinho de homem que eu era o universo da literatura. Minha mãe me disse que as primeiras coisas que escrevi foram continuações das histórias que lia, pois me aborrecia quando elas terminavam ou queria mudar seu final. E talvez seja isso que acabei fazendo na vida sem perceber: prolongar no tempo, enquanto crescia, amadurecia e envelhecia, as histórias que encheram minha infância de exaltação e de aventuras.



Gostaria que a minha mãe estivesse aqui, ela que costumava se emocionar e chorar ao ler os poemas de Amado Nervo e Pablo Neruda, e também meu avô Pedro, de nariz grande e calva reluzente, que elogiava os meus versos, e o tio Lucho que tanto me animou a dedicar-me de corpo e alma a escrever, embora a literatura, naquele tempo e naquele local, alimentasse tão mal os seus cultores. Toda a vida tive ao meu lado gente assim, que gostava de mim e me animava, e me contagiava com a sua fé quando eu duvidava. Graças a eles e, sem dúvida, também à minha insistência e um pouco de sorte, pude dedicar boa parte do meu tempo a essa paixão, vício e maravilha que é escrever, criar uma vida paralela onde nos refugiamos contra a adversidade, que torna natural o extraordinário e o extraordinário natural, que dissipa o caos, embeleza o feio, eterniza o instante e torna a morte um espetáculo passageiro.



Não era fácil escrever histórias. Ao se transformarem em palavras, os projetos passeavam pelo papel e as ideias e imagens morriam. Como reanimá-los ? Por sorte, ali estavam os mestres para que eu aprendesse com eles e seguisse seu exemplo. Flaubert me ensinou que o talento é uma disciplina tenaz e uma longa paciência. Faulkner, que é a forma - o texto e a estrutura - que engrandece ou empobrece os temas. Martorell, Cervantes, Dickens, Balzac, Tolstoi, Conrad, Thomas Mann, que o número e a ambição são tão importantes numa novela quanto a destreza estilística e a estratégia narrativa. Sartre, que as palavras são atos e que uma novela, uma peça de teatro, um ensaio, comprometidos com a atualidade e as melhores opções, podem mudar o curso da História. Camus e Orwell, que uma literatura desprovida de moral é desumana, e Malraux que o heroísmo e o épico cabiam na atualidade tanto quanto no tempo dos argonautas, da Odisséia e da Ilíada.



Se eu mencionasse neste discurso todos os escritores aos quais devo um pouco ou muito as suas sombras nos deixariam na escuridão. São inumeráveis. Além de me revelarem os segredos do ofício de contar, eles me fizeram explorar os abismos do humano, admirar seus feitos e horrorizar-me com os seus desvarios. Foram os amigos mais serviçais, os estimuladores da minha vocação, em cujos livros descobri que, mesmo nas piores circunstâncias, há esperança, e que vale a pena viver, nem que seja só porque sem a vida não poderíamos ler nem fantasiar histórias.


Algumas vezes me perguntei se em países como o meu, com poucos leitores e tantos pobres, analfabetos e injustiças, onde a cultura era privilégio de tão poucos, escrever não era um luxo escapista. Mas essas dúvidas nunca asfixiaram minha vocação, e continuei sempre escrevendo, mesmo naqueles períodos em que o trabalho de subsistência absorvia quase todo o meu tempo. Acho que fiz a coisa certa, pois, se para a literatura florescer numa sociedade fosse preciso lançar primeiro a alta cultura, a liberdade, a prosperidade e a justiça, isso não teria existido nunca. Ao contrário, graças à literatura, às consciências que ela formou, aos desejos e anseios que inspirou, ao desencanto do real com que retornamos da viagem a uma bela fantasia, a civilização é agora menos cruel do que quando os contadores de contos começaram a humanizar a vida com suas fábulas. Seríamos piores do que somos sem os bons livros que lemos, mais conformistas, menos inquietos e insubmissos, e o espírito crítico, o motor do progresso, nem sequer existiria. A exemplo de escrever, ler é protestar contra as insuficiências da vida. Quem procura na ficção o que não tem, diz, sem necessidade de dizer, e nem de saber, que a vida tal como é não nos basta para apagar a nossa sede de absoluto, fundamento da condição humana, e que deveria ser melhor. Inventamos as ficções para podermos viver de, alguma maneira, as muitas vidas que queríamos ter, quando apenas dispomos de uma só.

Sem as ficções seríamos menos conscientes da importância da liberdade para que a vida seja suportável e do inferno em que ela se converte quando dominada por um tirano, uma ideologia ou uma religião. Quem duvida que a literatura, além de nos levar ao sonho da beleza e da felicidade, nos alerta contra toda forma de opressão, pergunte por que todos os regimes empenhados em controlar a conduta dos cidadãos, do berço ao túmulo, a temem tanto a ponto de estabelecerem regras de censura para reprimi-la, e vigiam com tanta suspeita os escritores independentes. Fazem isso porque sabem o risco que correm ao deixarem que a imaginação flua pelos livros, como quão sediciosas se tornam as ficções quando o leitor compara a liberdade que as torna possíveis e que nelas se exerce, com o obscurantismo e o medo que o pressionam no mundo real. Queiram ou não, saibam disso ou não, os criadores de fábulas, ao inventar histórias, propagam a insatisfação, mostrando que o mundo é mal feito, que a vida da fantasia é mais rica que a rotina cotidiana. Essa constatação cria raízes na sensibilidade e na consciência, torna os cidadãos mais difíceis de manipular, de aceitar as mentiras que querem fazer com que aceite, de que entre cassetetes, inquisidores e carcereiros vivem mais seguros e melhor. A boa literatura cria pontes entre pessoas diferentes, fazendo-nos gozar, sofrer ou nos surpreendermos, nos une sobre as barreiras das línguas, crenças, usos, costumes e preconceitos que nos separam. Quando a grande baleia branca sepulta o capitão Ahab no mar, o coração dos leitores se oprime do mesmo modo em Tóquio, Lima ou Tombuctu. Quando Emma Bovary toma arsênico, Anna Karênina se joga do trem e Julien Sorel sobe ao patíbulo; e quando, em El Sur, o urbano doutor Juan Dahlmann sai daquela vendinha do pampa para enfrentar o punhal de um matador; ou percebemos que todos os moradores de Comala, o povoado de Pedro Páramo, estão mortos, o abalo é semelhante no leitor que adora Buda, Confúcio, Cristo, Alá ou é agnóstico, vista terno e gravata, túnica, quimono ou bombachas. A literatura cria uma fraternidade dentro da diversidade humana e apaga as fronteiras que erguem entre os homens e mulheres a ignorância, as ideologias, as religiões, os idiomas e a estupidez.

Como todas as épocas tiveram os seus espantos, a nossa é a dos fanáticos, dos terroristas suicidas, antiga espécie convencida de que matando se chega ao paraíso, de que o sangue dos inocentes lava as afrontas coletivas, corrige as injustiças e impõe a verdade sobre as falsas crenças. Inumeráveis vítimas são imoladas todos os dias em diversos locais do mundo por aqueles que se sentem donos de verdades absolutas. Acreditávamos que com a queda dos impérios totalitários a convivência, a paz, o pluralismo, os direitos humanos se imporiam e o mundo deixaria para trás os holocaustos, genocídios, invasões e guerras de extermínio. Nada disso ocorreu. Novas formas de barbárie proliferam estimuladas pelo fanatismo, e com a multiplicação das armas de destruição em massa não se pode excluir que algum grupelho de redentores enlouquecidos provoque um dia um cataclismo nuclear. É preciso ir atrás deles, enfrentá-los e derrotá-los. Não são muitos, embora o estrondo dos seus crimes ecoe por todo o planeta e nos encham de horror os pesadelos que provocam. Não devemos nos intimidar ante os que querem tirar a liberdade que conquistamos na longa façanha da civilização. Defendamos a democracia liberal que, com todas as suas limitações, ainda significa o pluralismo político, a convivência, a tolerância, os direitos humanos, o respeito à crítica, a legalidade, as eleições livres, a alternância de poder, tudo aquilo que nos tirou da vida selvagem e nos faz aproximar - embora nunca cheguemos a alcançá-la - da formosa e perfeita vida fingida pela literatura, aquela que só inventando, escrevendo e lendo podemos merecer. Ao enfrentarmos os fanáticos homicidas defendemos o nosso direito de sonhar e de tornar nossos sonhos realidade.

Quando jovem, como muitos escritores da minha geração, fui marxista e acreditava que o socialismo seria o remédio para a exploração e as injustiças sociais que dominavam o meu país, a América Latina e o resto do Terceiro Mundo. Minha decepção com o estatismo e o coletivismo e a minha passagem para o democrata e liberal que sou - que tento ser - foi longa, difícil e ocorreu aos poucos por causa de episódios como a conversão da Revolução Cubana, que me entusiasmou de início, ao modelo autoritário e vertical da União Soviética, dos testemunhos dos dissidentes que conseguiam vazar dos muros do gulag, da invasão da Tchecoslováquia pelos países do Pacto de Varsóvia e graças a pensadores como Raymond Aron, Jean-François Revel, Isaiah Berlin e Karl Popper, aos quais devo a minha revalorização da cultura democrática e das sociedades abertas. Esses mestres foram um exemplo de lucidez e galhardia quando a intelligentsia ocidental parecia, por frivolidade ou oportunismo, ter sucumbido ao feitiço do socialismo soviético, ou pior ainda, à diabólica e sanguinária revolução cultural chinesa.

Quando criança, sonhava chegar um dia a Paris porque, deslumbrado com a literatura francesa, acreditava que viver ali e respirar o ar que respiraram Balzac, Stendhal, Baudelaire, Proust me ajudaria a tornar-me um verdadeiro escritor, que se eu não saísse do Peru seria um pseudo-escritor de fins-de-semana e feriados. E a verdade é que devo à França, à cultura francesa, lições inesquecíveis, como a de que a literatura é tanto vocação qunto disciplina, um trabalho e uma perseverança. Vivi ali quando Sartre e Camus estavam vivos e escrevendo, nos anos de Ionesco, Becket, Bataille e Cioran, da descoberta do teatro de Brecht e do cinema de Ingmar Bergman, o TNP de Jean Vilar e o Odéon de Jean Louis Barrault, da Nouvelle Vague e do Nouveau Roman e dos discursos, belíssimas peças literárias, de André Malraux, e talvez o espetáculo mais teatral da Europa daquele tempo, as entrevistas coletivas e os estrondos vocais olímpicos do general De Gaulle.

Mas talvez o que mais agradeço à França seja a descoberta da América Latina. Ali descobri que o Peru fazia parte de uma vasta comunidade irmanada pela história, geografia, problemática social e política, por uma certa maneira de ser e pela saborosa língua que eu falava e na qual escrevia. E que nessa mesma época produzia uma literatura nova e pujante. Foi lá que li Borges, Octavio Paz, Cortazar, García Márquez, Fuentes, Cabrera Infante, Rulfo, Onetti, Carpentier, Edwards, Donoso e muitos outros, cujos textos estavam revolucionando a narrativa em língua espanhola, e graças aos quais a Europa e boa parte do mundo descobriram que a América Latina não era só o continente dos golpes de Estado, dos caudilhos de opereta, dos guerrilheiros barbudos e das maracas do mambo e do cha-cha-cha, mas também das idéias, formas artísticas e fantasias lieterárias que transcendiam o pitoresco e falavam uma linguagem universal.
De lá para cá, não sem alguns tropeços, a América Latina foi progredindo, embora, como dizia o verso de César Vallejo, ainda "Há, irmãos, muitíssimo a fazer". Padecemos sob menos ditaduras do que então, apenas Cuba e a candidata a secundá-la, a Venezuela, e algumas pseudo-democracias populistas e caricatas, como a Bolívia e a Nicarágua. Mas no resto do continente, bem ou mal, a democracia está funcionando, apoiada em amplos consensos populares, e pela primeira vez em nossa História, temos uma esquerda e uma direita que, como no Brasil, Chile, Uruguai, Peru, Colômbia, República Dominicana e quase toda a América Central, respeitam a legalidade, a liberdade de expressão, as eleições e a renovação no poder. Esse é o caminho certo, e se persistir nele, se combater a insidiosa corrupção e continuar integrando-se ao mundo, a América Latina deixará, por fim, de ser o continente do futuro e passará a ser o continente do presente. (...)

Eu levo o Peru nas minhas entranhas, porque nele nasci, cresci, formei-me e vivi aquelas experiências da infância e da juventude que modelaram minha personalidade e que forjaram minha vocação; e porque lá amei, odiei, gozei, sofri e sonhei. O que nele acontece me afeta mais e me comove e irrita mais do que o que acontece em outros lugares. Não busquei nem me impus isso: foi assim, simplesmente. Alguns compatriotas me acusaram de traidor, e cheguei a ponto de quase perder a cidadania quando, durante a última ditadura, pedi que os governos democráticos do mundo punissem o regime com sanções diplomáticas e econômicas, como sempre fiz com relação a todas as ditaduras, as de qualquer espécie: a de Pinochet, a de Fidel Castro, a dos talebães no Afeganistão, a dos aiatolás no Irã, a do apartheid na África do Sul, a dos sátrapas uniformizados na Birmânia (hoje Myanmar). E voltaria a fazer isso amanhã -não queira o destino, nem o permitam os peruanos, se o Peru fosse vítima, mais uma vez, de um golpe de Estado que aniquilasse a nossa frágil democracia. Não foi aquela uma ação precipitada e passional de um ressentido, como escreveram alguns polímatas, acostumados a julgarem os outros a partir da própria pequenez. Foi um ato coerente com a minha convicção de que uma ditadura representa o mal absoluto para um país, uma fonte de brutalidade e corrupção, e de feridas profundas, que demoram muito para se fecharem, envenenam seu futuro e criam hábitos e práticas prejudiciais que se estendem ao longo de gerações, adiando a reconstrução democrática. Por isso as ditaduras devem ser combatidas sem contemplações, por todos os meios ao nosso alcance, incluindo as sanções econômicas. É lamentável que os governos democráticos, ao invés de darem o exemplo, solidarizando-se com aqueles - como as Damas de Branco em Cuba, os resistentes venezuelanos, Aung San Suu Kyi e Liu Xiaobo - que enfrentam com temeridade as ditaduras que sofrem, freqüentemente tenham se mostrado complacentes não com eles, mas com seus carrascos. Aqueles corajosos, ao lutar pela sua liberdade, lutam também pela nossa. (...)

A conquista da América foi cruel e violenta, como todas as conquistas, sem dúvida, e deve ser criticada, porém sem esquecermos, ao criticarmos, que os que cometeram aqueles despojos e crimes foram, em grande número, nossos bisavós e tataravós, os espanhóis que foram à América e aí se adaptaram, não os que ficaram na sua terra. As críticas, para serem justas, devem ser uma autocrítica. Porque, ao nos emanciparmos da Espanha, há duzentos anos, os que tomaram posse nas antigas colônias, ao invés de redimir os índios e fazerem justiça pelos antigos agravos, continuaram a explorá-los, com tanta cobiça e ferocidade quanto os conquistadores, e, em alguns países, dizimando-os e exterminando-os. Digamos com total clareza: há dois séculos, a emancipação dos indígenas é de responsabilidade exclusivamente nossa, e não temos cumprido com ela, que continua a ser uma matéria pendente em toda a América Latina. Não há uma exceção a essa afronta e essa vergonha. (...)

De todos os anos que eu vivi em solo espanhol, lembro com fulgor dos cinco que passei na querida Barcelona, a começo dos anos '70. A ditadura de Franco ainda estava em pé e fuzilava, mas era um fóssil em fiapos, e, sobretudo no campo da cultura, era incapaz de manter os controles de outrora. Abriam-se fendas e resquícios que a censura não conseguia sanar e, por eles, a sociedade espanhola absorvia novas ideias, livros, correntes de pensamento, valores e formas artísticas até então proibidos por serem subversivos. Nenhuma cidade aproveitou tanto e tão bem quanto Barcelona esse começo da abertura, nem viveu uma efervescência semelhante em todos os campos das ideias e da criação. Tornou-se a capital cultural da Espanha, o local onde se devia ficar para respirar a antecipação da liberdade por vir. E, de certa forma, foi também a capital cultural da América Latina, dada a quantidade de pintores, escritores, editores e artistas oriundos dos países latino-americanos que lá se instalaram, ou iam e vinham de Barcelona, porque era lá que havia que estar, se a gente queria ser um poeta, romancista, pintor ou compositor do nosso tempo.

Embora não tenha ocorrido exatamente assim, a transição espanhola da ditadura para a democracia foi uma das melhores históricas dos tempos modernos, um exemplo de como, quando a sensatez e a racionalidade prevalecem, e os adversários políticos deixam de lado o sectarismo em favor do bem comum, podem ocorrer fatos tão prodigiosos como os dos romances do realismo mágico. A transição espanhola do autoritarismo para a liberdade, do subdesenvolvimento para a prosperidade, de uma sociedade de contrastes econômicos e desigualdades terceiro-mundistas para um país de classes médias, a sua integração à Europa e a sua adoção em poucos anos de uma cultura democrática, surpreendeu o mundo e disparou a modernização da Espanha. Foi para mim uma experiência emocionante e instrutiva vivê-la de muito perto e por dentro em alguns momentos. Tomara que os nacionalismos, a praga incurável do mundo moderno e também na Espanha, não estraguem essa história feliz. (...)

O Peru é para mim a Arequipa onde nasci, mas onde nunca morei, a cidade que minha mãe, meus avós e meus tios me ensinaram a conhecer através das suas lembranças e nostalgias, porque toda minha tribo familiar, como costumam fazer os arequipenses, sempre levou consigo para a Cidade Branca em sua andarilha existência. É a Piura do deserto, o algarobeira e o sofrido jumentozinho ao que os habitantes de Piura de minha juventude chamavam de "o pé alheio"- lindo e triste epíteto - onde descobri que não eram as cegonhas que traziam os bebês ao mundo, mas eram os casais que os fabricavam fazendo umas barbaridades que eram pecado mortal. É o Colégio San Miguel e o Teatro Variedades, onde pela primeira vez vi encenada uma obrinha escrita por mim. É a esquina de Diego Ferré e Colón, no bairro de Miraflores, em Lima, - o chamávamos de o Bairro Alegre, onde troquei as calças curtas pelas compridas, fumei meu primeiro cigarro, aprendi a dançar, a namorar e a fazer declarações de amor às moças. É a empoeirada e arrepiante redação do jornal a La Crónica onde, nos meus dezesseis anos, fiz minhas primeiras armas como jornalista, ofício que, com a literatura, ocupou quase toda a minha vida e me fez, como os livros, viver mais, conhecer melhor o mundo e frequentar pessoas de todas as partes e de todos os tipos, pessoas excelentes, boas, más e execráveis. É o Colégio Militar Leoncio Prado, onde aprendi que o Peru não era o pequeno reduto de classe média que eu havia vivido até então confinado e protegido, mas um país grande, antigo, exasperado, desigual e sacudido por todo tipo de tormentas sociais. São as células clandestinas de Cahuide nas quais com um punhado da Universidade de San Marcos preparávamos a revolução mundial. E o Peru são os meus amigos e as minhas amigas do Movimiento Libertad, com os quais por três anos, entre bombas, apagões e assassinatos do terrorismo, trabalhamos em defesa da democracia e da cultura da liberdade.

O Peru é Patrícia, a prima de narizinho arrebitado e caráter indomável com a qual tive a ventura de me casar há 45 anos, e que ainda suporta as minhas manias, neuroses e meus chiliques que me ajudam a escrever. Sem ela, minha vida teria se dissolvido há muito tempo em um turbilhão caótico, e não houvessem nascido Álvaro, Gonzalo e Morgana, nem os seis netos que nos prolongam e alegram a existência. Ela faz tudo e faz tudo bem. Resolve os problemas, administra a economia, põe ordem no caos, mantém os limites para os jornalistas e intrusos, defende meu tempo dos compromissos e das viagens, faz e desfaz as malas, e é tão generosa que até quando acha que está me desafiando, faz o melhor dos elogios. "Mario, para a única coisa que você serve é para escrever."

Tradução: Damian Kraus e Antonio Alberto Dias Castro.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Post nº 100

Chegamos ao 100º post. Uau! E pra comemorar, segue as duas melhores citações da semana, extraídas da 4a temporada de Big Bang Theory:

Penny: How's your life? 
Amy: Like everybody else's - subject to entropy, decay and eventual death. Thank you for asking.
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Sheldon: You know, in difficult times like this, I often turn to a force stronger than myself.
Amy: Religion?
Sheldon: Star Trek.
 E pra não nos esquecermos de que o 100º post não significa absolutamente nada e não tem nenhuma relevância, vamos apreciar um clássico Epic Fail Demotivational Poster.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

top five things i miss about laura

Rob: Top five things I miss about Laura.
One: sense of humor. Very dry, but it can also be warm and forgiving. And she's got one of the best all time laughs in the history of all time laughs, she laughs with her entire body.
Two: she's got character. Or at least she had character before the Ian nightmare. She's loyal and honest, and she doesn't even take it out on people when she's having a bad day. That's character.
Three: I miss her smell, and the way she tastes. It's a mystery of human chemistry and I don't understand it, some people, as far as their senses are concerned, just feel like home.
(...)

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Difícil escolher uma única cena de High Fidelity, mas essa, sem dúvidas, faz parte do top 5.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

o amor em Florbela


O nascimento, o primeiro casamento, a vida e a morte da poeta portuguesa Florbela Espanca fo­­ram marcados pelo dia 8 de dezembro. Ao completar 36 anos, após deliberadamente tomar uma violenta dose do sonífero Veronal, Florbela morria sem saber que o reconhecimento de seu talento poético estava prestes a chegar. O suicídio aconteceu há 80 anos, em 8 de dezembro de 1930. A escritora deixava como legado poemas carregados de erotismo e feminilidade, em que o amor, a paixão, a dor da rejeição e a morte eram te­­mas dominantes.


Trecho da matéria do Rhodrigo Deda que saiu hoje, no Caderno G da Gazeta do Povo, sobre Florbela Espanca. Coisa fina! O texto na íntegra tá aqui.


Drogas e Memes


"Ninety-nine percent of everything that goes on in most Christian churches has nothing whatsoever to do with the actual religion. Intelligent people all notice this sooner or later, and they conclude that the entire one hundred percent is bullshit, which is why atheism is connected with being intelligent in people's minds." - Juanita em Snow Crash

"We are all susceptible to the pull of viral ideas. Like mass hysteria. Or a tune that gets into your head that you keep on humming all day until you spread it to someone else. Jokes. Urban legends. Crackpot religions. Marxism. No matter how smart we get, there is always this deep irrational part that makes us potential hosts for self-replicating information." - Snow Crash

domingo, 5 de dezembro de 2010

la llorona


Si porque te quiero quieres, Llorona
Quieres que te quieres más
Si ya te he dado la vida, Llorona
¿Qué mas quieres?
¿Quieres más?
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La llorona é uma música escrita por Luis Mars e interpretada por vários cantantes. A que mais emocionava Frida Kahlo era a de Chavela Vargas. A música, inclusive, aparece no filme Frida, com Salma Hayek. A letra é linda, a história de Frida também, e dá para ouvir a versão de Chavela aqui.

ps. La llorona também é uma lenda mexicana, tipo a nossa "Loira do banheiro".