Trechos de Trópico de Capricórnio, por Henry Miller.
"Não havia nada que desejasse fazer que me importasse de não fazer. Já em criança, quando não me faltava nada, queria morrer: queria render-me porque não via sentido nenhum em lutar. Sentia que nada seria provado, comprovado, acrescentado ou subtraído pelo facto de continuar uma existência que não pedira. Todos quantos me cercavam eram falhados, ou, se não eram falhados, eram ridículos."
"Descobri que o que desejara a vida inteira não fora viver - se o que os outros fazem se chama viver - e, sim, exprimir-me. Compreendi que nunca tivera o mínimo interesse em viver, mas apenas nisto que estou a fazer agora, em qualquer coisa que é paralela à vida, que, simultaneamente, faz parte da vida e a ultrapassa. O que é verdade pouco ou nada me interessa, nem tão-pouco o que é real; só me interessa o que imagino ser, o que asfixiara toda a vida a fim de poder viver. Se morrer hoje ou amanhã ser-me-á indiferente, sempre foi; o que me incomoda, o que me ulcera, é que mesmo hoje, após anos de esforço, não possa dizer o que penso e sinto. Desde a infância que só me vejo a seguir a pista desse espectro, sem gozar nem desejar nada além desse poder, dessa faculdade. Tudo o mais é uma mentira - é uma mentira tudo quanto jamais disse ou fiz fora dessa ambição... e procedi assim a maior parte da minha vida."
0 comentários:
Postar um comentário